Há momentos na vida em que somos convidados a olhar além do óbvio, a abrir nossos corações para compreender que o mundo não gira apenas ao redor do que nos é familiar. O autismo é um desses convites. Ele nos desafia a ampliar nossa visão, a enxergar beleza onde antes talvez só víssemos diferença.
Quando falamos de autismo, muitas vezes pensamos em diagnósticos, comportamentos ou estereótipos que a sociedade criou ao longo do tempo. Mas o que realmente significa ser autista? É como entrar em um jardim onde as flores têm cores que nunca imaginamos existir. Cada pessoa autista é única, com suas próprias formas de sentir, pensar e se relacionar com o mundo. E é justamente essa singularidade que torna o autismo tão fascinante – e, por vezes, tão incompreendido.
Imagine, por um instante, que você vive em um mundo onde os sons são ensurdecedores, as luzes ofuscam seus olhos e o toque mais suave parece arranhar sua pele. Agora imagine que, ao mesmo tempo, você percebe detalhes que ninguém mais nota: o brilho de uma folha ao vento, o ritmo preciso das gotas de chuva caindo no chão, a magia escondida nas entrelinhas de uma história. Esse contraste entre intensidade e sensibilidade é parte da experiência autista. Não é um defeito, mas uma maneira diferente de habitar o mundo.
Muitas vezes, ouvimos dizer que pessoas autistas têm dificuldade em se comunicar. Mas será que o problema está nelas ou em nós, que insistimos em impor nossas regras de comunicação? Quantas vezes deixamos de escutar porque esperamos que o outro fale da forma como estamos acostumados? Talvez o verdadeiro aprendizado esteja em aprender a ouvir de outras maneiras: através de gestos, olhares, risos ou até silêncios. Afinal, nem sempre as palavras são necessárias para que uma conexão profunda aconteça.
E como falar das mães, pais e cuidadores que acompanham essas crianças e adultos autistas em sua jornada? São heróis silenciosos, que enfrentam desafios diários com uma força que muitas vezes nem eles mesmos sabiam que tinham. Mas também são aprendizes. Aprendem a ver o mundo pelos olhos de quem amam, descobrindo que a paciência pode ser uma forma de amor e que a aceitação é o maior presente que podem oferecer.
É importante lembrar que o autismo não é algo a ser “curado”. Não é uma doença, mas uma condição neurodiversa que faz parte da rica tapeçaria humana. O que precisamos, enquanto sociedade, é criar espaços inclusivos, onde todos possam florescer à sua maneira. Precisamos celebrar as habilidades extraordinárias que muitas pessoas autistas possuem – seja na arte, na música, na matemática ou na capacidade de enxergar o mundo com uma pureza que nos escapa.
No fundo, o autismo nos ensina uma lição valiosa: que a diversidade é a essência da vida. Que cada ser humano traz consigo uma contribuição única para o coletivo. E que, ao abraçarmos essas diferenças, permitimos que o mundo se torne um lugar mais colorido, mais profundo e mais humano.
Confesso que escrever estas palavras foi, para mim, uma forma de autoanálise. Recentemente, recebi o laudo que confirmava algo que eu já suspeitava há algum tempo: alguém que amo muito é autista. Naquele momento, senti um turbilhão de emoções – alívio por finalmente entender melhor, mas também incerteza sobre o que dizer, como agir, como expressar meu amor de maneira que fizesse sentido.
Foi então que decidi escrever esta carta. Porque, às vezes, quando as palavras parecem fugir de nós, colocá-las no papel é o primeiro passo para encontrar o caminho de volta ao coração.
Se você, assim como eu, está aprendendo a navegar por esse universo novo e cheio de nuances, saiba que não estamos sozinhos. Estamos todos em constante transformação, aprendendo uns com os outros. E talvez, ao final dessa jornada, descubramos que o autismo não é apenas uma condição – mas também uma oportunidade de nos tornarmos versões mais completas de nós mesmos.
Então, da próxima vez que você encontrar alguém autista, não se apresse em julgar ou tentar moldá-lo ao que considera “normal”. Em vez disso, pare e observe. Escute. Deixe-se encantar pela maneira como essa pessoa enxerga o mundo. Quem sabe, assim, você também não descubra novas formas de ser e estar neste universo tão vasto e maravilhoso?
Com carinho,
Maria Helena